quinta-feira, 16 de maio de 2013

A Era da Tela - O Horizonte dos Trilhos da TV e do Cinema

Andava pensando sobre o papel do cinema atual. Mais que isso, sua profundidade e alcance. As novas mídias mudaram a forma de repassar informações para as pessoas. Agora, raramente se fala "televisão". Estamos ao mesmo tempo no smartphone, no tablet e com a tv ligada. Ou seja, diversas telas "on" simultaneamente. Não há interferência, e sim conexão entre todos. Uma simbiose de informações, complementando toda forma de divulgação de imagens e textos entre as plataformas existentes. Claro, isso afeta o modo como produtores, diretores e todos os envolvidos na tv e cinema elaboram seus novos projetos e ensaios. O cinema piorou? A televisão melhorou? Ou nosso filtro para coletar o que nos cospem é o principal? Coincidentemente li na Folha de São Paulo dois bons textos, na edição de ontem, que gostaria de compartilhar. Pincelam pensamentos interessantes sobre o debate da televisão e cinema nos dias de hoje e a forma errônea de pensar neles como inimigos.


Jornal Folha de São Paulo, 15 de maio de 2013


Luciano Trigo: Olhar para frente


"Quando vamos ao cinema, olhamos para cima. Quando vemos televisão, olhamos para baixo." As palavras de Jean-Luc Godard me vieram à cabeça quando li na Folha uma declaração do cineasta Fernando Meirelles que, pouco tempo atrás, seria recebida como herética ou estapafúrdia: "A TV é hoje mais interessante que o cinema" ("Ilustrada, 23/4). E, no entanto, é difícil discordar quando se pensa na qualidade de alguns conteúdos televisivos.

Não se trata de forçar uma comparação que pode ser descartada como artificial ou fútil, já que sempre houve bons conteúdos na TV, assim como maus filmes no cinema. Mas alguma coisa está mudando. A hierarquia implícita na declaração de Godard, que prevalece desde a invenção da TV, está sendo pela primeira vez desafiada, por motivos tecnológicos na origem, mas com implicações que ainda não são claras para o futuro das duas mídias.

Historicamente, todas as teorias do cinema tiveram como fundamento a busca pela especificidade do meio, isto é, a investigação sobre os elementos da linguagem, forma e técnica que lhe conferiam autonomia.

O impacto cultural e econômico da chegada da televisão obrigou o cinema a mergulhar num processo de reinvenção --até por necessidade de sobrevivência, já que a frequência às salas despencou. A indústria apostou então em inovações que tentaram preservar, com êxito variado, o caráter único da experiência cinematográfica.

A mensagem formulada pelos teóricos passou a ser esta: por mais cômoda que seja para o espectador, alterando seus hábitos de consumo audiovisual, a televisão jamais terá a espessura estética e a força sedutora do cinema. Este simplesmente não cabe na tela da TV, um meio inferior e vulgar na sua essência.

Isso está acabando. A convergência digital eliminou, primeiro, a própria materialidade da diferença: com o fim anunciado da película, a imagem televisiva e a imagem cinematográfica passam a compartilhar a condição de informação pura, que pode circular nas mesmas e em múltiplas telas.

Há outros processos em curso: se o cinema não cabia na TV, conteúdos tipicamente televisivos já invadem as salas, como eventos esportivos. Por outro lado, nasce uma nova cinefilia facilitada, paradoxalmente, pelo YouTube, que se torna o meio de acesso básico ao acervo cinematográfico do passado: adolescentes chegam à "nouvelle vague" e ao cinema novo por meio da internet.

Dilui-se, assim, a fronteira que separava a experiência compartilhada e nobre da sala escura da experiência dispersiva e banal do consumo doméstico.

Com o fim da especificidade cinematográfica, alicerce teórico do pensamento sobre o meio por mais de um século, cria-se um novo paradigma audiovisual, e quem não compreender esse processo corre o risco de cair na irrelevância.

Por outro lado, a convergência, que costuma ser analisada apenas em termos de tecnologia e serviços, terá também efeitos estéticos preocupantes. Para que os mesmos conteúdos circulem, sem perda expressiva de qualidade, pelas telas do computador e da TV, do cinema e do celular, há o risco de uma convergência de linguagens potencialmente empobrecedora.

Os caminhos e espaços para a invenção autoral serão outros, o que dará talvez razão a Meirelles e tornará obsoleta a visão de Godard: é na TV, e não mais no cinema, que os criadores estão encontrando as condições de desenvolver um laboratório experimental para produzir novos modelos de narrativa audiovisual e de comunicação com o público. O negócio não é olhar para cima nem para baixo, mas para frente.
LUCIANO TRIGO, 48, jornalista e escritor, é especialista em regulação da Ancine (Agência Nacional do Cinema)

Renata de Almeida: Lua de mel


A TV é hoje mais interessante que o cinema? Não! Talvez a pergunta pudesse ser esta: a televisão que você tem assistido hoje é mais interessante do que o cinema que você tem visto? Não sei por que o elogio muitas vezes é ligado à necessidade da comparação, como se o objeto não pudesse ser bom por si só.

Já ouvi essa frase várias vezes, sempre ligada ao cinema norte-americano, mas parece que agora se generalizou. Talvez esteja em voga no Brasil porque vivemos uma lua de mel com a televisão, graças à lei da TV paga. A medida está revolucionando o mercado para os produtores independentes e abrindo o caminho para novos olhares, o que é sempre muito positivo.

Ao mesmo tempo, temos a internet, Netflix, Now, AppleTv e, claro, os lançamentos em DVD. Isso possibilita vermos séries, americanas principalmente, de uma só vez ou conforme a nossa vontade.

Mas não é de hoje que as séries americanas são boas ou ousadas. É só lembrar do Agente 86 em plena Guerra Fria ou de "Mash" durante a Guerra do Vietnã. Também não é de hoje que a televisão brasileira tem programas com um ótimo padrão de qualidade.

Mas nada substitui o cinema. Os filmes antigos e também os atuais, que continuam, sim, muito interessantes. Claro, dependendo do que cada um se dispõe a ver. Ou do que cada um consegue ver por causa do pequeno circuito de salas exibidoras para o tamanho do país.

O nível de exigência e a atitude que temos quando vemos um filme não são os mesmos de quando vemos TV. As séries podem errar mais, porque no próximo capítulo você pode ser compensado. Isso não é possível no cinema, em que a relação tem que ser construída rapidamente e uma história tem que ser contada em poucas horas.

E, ainda assim, ele comporta vidas inteiras. Basta lembrar de "Nós que Nos Amávamos Tanto", "1900", "Era Uma Vez no Oeste" ou "2001 - Uma Odisseia no Espaço".

Na Europa, a relação do cinema com a televisão sempre foi muito próxima, muitas vezes simbiótica. Por isso, essa afirmação não faria muito sentido por lá. Grandes nomes do cinema como Bergman e Fassbinder fizeram trabalhos para a TV e outros continuam fazendo.

Felizmente, no Brasil, parece que está acontecendo algo parecido: profissionais de televisão se tornaram também profissionais de cinema e vice-versa.

Grandes nomes do cinema brasileiro de hoje fizeram seus primeiros trabalhos na televisão, muitas vezes excelentes, mas foi no cinema que conseguiram a sua consagração. Então, esperemos que eles não abandonem o fazer cinema, que pode ser desgastante, levar anos e ser arrasado com uma frase leviana.

Muitas histórias não podem ser diluídas em vários capítulos. Se ainda tivermos o prazer de ver um filme em uma sala grande, o cinema se torna uma experiência única. Mas, se perdermos essa oportunidade, ainda poderemos contar com a televisão e seu maravilhoso poder de democratizar a informação.

Esperamos com isso que os diretores e produtores fiquem mais satisfeitos com o seu público, que tem que ser contabilizado em todos os formatos que hoje o cinema possui.
RENATA DE ALMEIDA, 47, é diretora da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo




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