Apenas os olhos de um homem
aparecem na tela, com a respiração acelerada. Atrás dele, apenas terra, mato.
Ouvimos um tiro e o grito de uma mulher fora de campo. Esse é o plano de
abertura que compõe a primeira cena do filme, já nos dizendo algo sobre um
possível decorrer do mesmo. Transportamo-nos ao título do filme imediatamente. O
bandido e o mocinho esculpidos do faroeste sempre nos foram comuns. Mas as
facetas do bom e mau sempre podem vir acompanhadas de subjetividade. O acolhimento
do universo brasileiro desse duelo, que capta a atenção do interior de cada
telespectador, é um dos pontos fortes do bom Faroeste Caboclo.
Inspirado na obra-prima de Renato
Russo, a música se eternizou e só agora foi chegar às telas de cinema. O
diretor René Sampaio executa um trabalho seguro e bem feito. Não é simples converter
a ideia de uma poesia em roteiro para depois rodar 100 minutos de vídeo,
portanto o processo de decupagem foi excelente. Diversos aspectos da canção
foram modificados ou deixados de lado, pois para dar sentido a uma história e
um roteiro eficientes isso era necessário, e o resultado foi surpreendentemente
conciso.
A sinopse é simples e bem calcada
na música. João (Fabrício Boliveira) deixa Santo Cristo após a morte de
sua mãe e tenta a vida em Brasília. Começa a trabalhar para seu primo Pablo (César
Troncoso) com venda de drogas, função que o faz encontrar o playboy e
traficante Jeremias (Felipe Abib) e o policial corrupto Marco Aurélio
(Antonio Calloni), que infernizariam sua vida daquele momento pra frente. Nesse
tempo, se apaixona pela linda Maria Lúcia (Ísis Valverde), mulher também
cobiçada por Jeremias. O elenco é bom, e com muitas caras desconhecidas para o
cinema. Ísis está muito bem nos momentos mais dramáticos, além de cativar a
todos com um jeito e beleza naturais. Fabrício é uma ótima revelação, nos oferecendo
um personagem humilde e com coração, mas que guarda rancor e ódios passados,
conseguindo nos transmitir tudo isso apenas com o olhar.
A pequena explicação do passado
de João é contada em poucos flashbacks, que são realizados com auxílio de um raccord
sonoro ou de movimento. O barulho de tiro, a posição de empunhar uma arma ou uma
respiração ofegante são exemplos de passagens que precedem os cortes das cenas
da volta no tempo, nos sendo dispostos de forma mais sutil e fluente. Vale
ressaltar que mesmo com poucas cenas, é intensa a interpretação de Flavio
Bauraqui como pai de João.
O início do longa se perde um
pouco na apresentação das histórias paralelas de João e Maria Lúcia e corre
para chegar ao encontros de ambos. Além disso, o personagem principal executa
uma narração em off desde o primeiro plano do filme, vindo a estar presente no
último também. Não é algo ruim, porém a função de despertar o drama das
revoltas, vinganças e até redenções em cada telespectador se torna menos
pessoal.
Os acertos do filme são muitos: um
ótimo figurino, uma boa trilha sonora e, principalmente, precisa fotografia.
Esta nos paralisa não só esteticamente, mas tecnicamente é correta como, por
exemplo, contrastar o rosto de João inúmeras vezes, nos lembrando do dueto de
sua personalidade, “bom moço” e assassino. Planos americanos (do joelho à
cabeça) e closes nos olhos são aspectos interessantes para fazer referência ao
típico faroeste nas cenas de combate. E esse elemento não soa artificial, e
ainda vem acompanhado de uma música quase de western, mas feita com as
arranhadas de guitarra do rock de Brasília dos anos 80.
A canção que dá origem ao título
do filme só é realmente tocada nos créditos finais, o que se mostra corajoso e
importante. Não há porque nos antecipar algo conhecido e que foi modificado em
desenvolvimento. Mas escutá-la e perceber sua dimensão com o filme concluído, ainda nos faz analisar
os detalhes transpostos na tela com todo cuidado.
O aspecto da batalha interna dos
indivíduos entre o bem e o mal, mais ainda: o certo e o errado. E claro, o amor
tenta perdurar acima disso. Claro que temos um retrato da vida de tantos, que
se identificarão. E a Brasília dos anos 80 pincelada pelo filme é fiel por meio
do que se mostra nas televisões, jornais, festas, música. Até de forma mais eficiente
que o recente filme Somos Tão Jovens, também relacionado a Renato Russo.
Faroeste Caboclo consegue
captar nossa atenção e prevalecer como excelente documento cinematográfico das
palavras de um poeta já adormecido. Lembra-nos que a estrada importa e que lutamos para deixar algum rastro, seguir
o que acreditamos. Parece banal, tão banal como um duelo de “bang bang”. Mas
perdendo ou ganhando, arriscamos.
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