sexta-feira, 24 de maio de 2013

Crítica - Faroeste Caboclo (2013), de René Sampaio



Apenas os olhos de um homem aparecem na tela, com a respiração acelerada. Atrás dele, apenas terra, mato. Ouvimos um tiro e o grito de uma mulher fora de campo. Esse é o plano de abertura que compõe a primeira cena do filme, já nos dizendo algo sobre um possível decorrer do mesmo. Transportamo-nos ao título do filme imediatamente. O bandido e o mocinho esculpidos do faroeste sempre nos foram comuns. Mas as facetas do bom e mau sempre podem vir acompanhadas de subjetividade. O acolhimento do universo brasileiro desse duelo, que capta a atenção do interior de cada telespectador, é um dos pontos fortes do bom Faroeste Caboclo.

Inspirado na obra-prima de Renato Russo, a música se eternizou e só agora foi chegar às telas de cinema. O diretor René Sampaio executa um trabalho seguro e bem feito. Não é simples converter a ideia de uma poesia em roteiro para depois rodar 100 minutos de vídeo, portanto o processo de decupagem foi excelente. Diversos aspectos da canção foram modificados ou deixados de lado, pois para dar sentido a uma história e um roteiro eficientes isso era necessário, e o resultado foi surpreendentemente conciso.

A sinopse é simples e bem calcada na música. João (Fabrício Boliveira) deixa Santo Cristo após a morte de sua mãe e tenta a vida em Brasília. Começa a trabalhar para seu primo Pablo (César Troncoso) com venda de drogas, função que o faz encontrar o playboy e traficante Jeremias (Felipe Abib) e o policial corrupto Marco Aurélio (Antonio Calloni), que infernizariam sua vida daquele momento pra frente. Nesse tempo, se apaixona pela linda Maria Lúcia (Ísis Valverde), mulher também cobiçada por Jeremias. O elenco é bom, e com muitas caras desconhecidas para o cinema. Ísis está muito bem nos momentos mais dramáticos, além de cativar a todos com um jeito e beleza naturais. Fabrício é uma ótima revelação, nos oferecendo um personagem humilde e com coração, mas que guarda rancor e ódios passados, conseguindo nos transmitir tudo isso apenas com o olhar.

A pequena explicação do passado de João é contada em poucos flashbacks, que são realizados com auxílio de um raccord sonoro ou de movimento. O barulho de tiro, a posição de empunhar uma arma ou uma respiração ofegante são exemplos de passagens que precedem os cortes das cenas da volta no tempo, nos sendo dispostos de forma mais sutil e fluente. Vale ressaltar que mesmo com poucas cenas, é intensa a interpretação de Flavio Bauraqui como pai de João.

O início do longa se perde um pouco na apresentação das histórias paralelas de João e Maria Lúcia e corre para chegar ao encontros de ambos. Além disso, o personagem principal executa uma narração em off desde o primeiro plano do filme, vindo a estar presente no último também. Não é algo ruim, porém a função de despertar o drama das revoltas, vinganças e até redenções em cada telespectador se torna menos pessoal.

Os acertos do filme são muitos: um ótimo figurino, uma boa trilha sonora e, principalmente, precisa fotografia. Esta nos paralisa não só esteticamente, mas tecnicamente é correta como, por exemplo, contrastar o rosto de João inúmeras vezes, nos lembrando do dueto de sua personalidade, “bom moço” e assassino. Planos americanos (do joelho à cabeça) e closes nos olhos são aspectos interessantes para fazer referência ao típico faroeste nas cenas de combate. E esse elemento não soa artificial, e ainda vem acompanhado de uma música quase de western, mas feita com as arranhadas de guitarra do rock de Brasília dos anos 80.

A canção que dá origem ao título do filme só é realmente tocada nos créditos finais, o que se mostra corajoso e importante. Não há porque nos antecipar algo conhecido e que foi modificado em desenvolvimento. Mas escutá-la e perceber sua dimensão  com o filme concluído, ainda nos faz analisar os detalhes transpostos na tela com todo cuidado.

O aspecto da batalha interna dos indivíduos entre o bem e o mal, mais ainda: o certo e o errado. E claro, o amor tenta perdurar acima disso. Claro que temos um retrato da vida de tantos, que se identificarão. E a Brasília dos anos 80 pincelada pelo filme é fiel por meio do que se mostra nas televisões, jornais, festas, música. Até de forma mais eficiente que o recente filme Somos Tão Jovens, também relacionado a Renato Russo.

Faroeste Caboclo consegue captar nossa atenção e prevalecer como excelente documento cinematográfico das palavras de um poeta já adormecido. Lembra-nos que a estrada importa  e que lutamos para deixar algum rastro, seguir o que acreditamos. Parece banal, tão banal como um duelo de “bang bang”. Mas perdendo ou ganhando, arriscamos.



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